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A menina e o amorUm conto contemporâneo.
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Era uma vez uma linda menina lourinha nascida lá pelas bandas das terras do sul. Rostinho de alvura imigrante rosetado pelo sol do campo, emoldurado por cachinhos dourados que em-prestavam candura de imagem de calendário, pra uma essência recém chegada, plena de planos pro amor.
A menina lourinha cresceu acreditando no amor e esperando dele coisas que dariam sentido a sua vida. Os primeiros amores foram mais que compensados. Amor de pai, de mãe, de irmãos, de amiguinhos tão moleques, quanto necessário e tão próprios quanto merece uma infância.
A vida fez a parte dela e a menininha dourada também. Cresceu e foi mocinha sem nunca abrir mão de esperar o amor.
Na pressa de ser gente grande, nem sabe ao certo se a vida já lhe mostrara o tal amor. Mas, ela esperava.
A mocinha então, amanheceu mulher, num outono qualquer. Sempre lourinha, cacheada e esperando o amor. E amor chegou. Sem cavalo branco, sem espadas reluzentes, sem “olhos verdes e fixos” de um Neruda idealizado, nem tão príncipe, muito menos encantado. E a menina lourinha entendeu haver chegado o amor.
O tempo fez a parte dele e a menininha cacheada também. Acreditou em cada amanhã, em cada nascer do sol, em cada beijo recebido, perdido ou roubado... E uma gota de chuva, de uma manhã imprecisa confidenciou-lhe que o amor, aquele que a menininha dourada queria tanto, inda não havia chegado.
A menina, que foi moça e depois mulher, correu sem destino pelos trilhos abandonados pelo velho trem de sua infância mágica, encontrou um tronco seco, sem o viço de outrora, sentou-se sob sua sombra insegura e chorou a ausência do amor.
Acreditando poder encontrá-lo, singrou veredas, atalhos, desvios, supôs-se feliz aqui e ali, contentou-se com átimos furtados de outros amores, que foram seus em jornadas fugazes, sempre sabendo que o tão esperado, inda não havia chegado.
Um dia, o amor chegou! Viera de outras terras, com feições bem diferentes daquelas sonhadas na infância deixada nos campos daquelas terras do sul. Anunciou-se, não foi reconhecido e sorriu-lhe tantas vezes quantas se fizeram necessárias. A menininha, que foi moça, que foi mulher, que pensou haver encontrado o amor, que quase o desacreditou, não soube o que fazer dele.
O amor, então, sentou-se à soleira de sua porta e contemplou a menina dos sonhos distantes. Ela, dourada como sempre, entrou e saiu tantas vezes daquela casa que acabou acostumando-se com a presença do amor sentado à sua porta, sorrindo-lhe todas as manhãs e esperando.
O amor continua lá. Presente, insinuante, lançando seus sinais.
A menina já não corre tanto e empresta um bom tanto do seu tempo praquele estranho. E ele, com sacra paciência, apenas espera pela menininha dourada, que esperou tanto por ele que ainda não soube que seu sonhado amor, finalmente, chegara.
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Anderson Fabiano
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Dedico este conto à brilhante poetisa Helena Chiarello, minha eterna fonte de inspiração.
Leninha, com todo meu carinho, te beijo, então.
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Anderson Fabiano.
Imagem: Getty
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